Tudo começa por aqui. Aprenda a fazer um fermento natural usando apenas farinha e água, de forma fácil.
Se alguém tivesse me dito anos atrás que eu conseguiria fazer em casa um pão incrivelmente crocante por fora, macio por dentro e ainda por cima saudável, utilizando apenas alguns ingredientes básicos, eu certamente duvidaria.
Na minha cabeça, fazer pão era coisa de padeiro profissional: exigia um equipamento industrial, um forno especializado e uma lista de ingredientes que mais parecia uma redação técnica. Hoje, no entanto, transformar três ingredientes simples em um pão nutritivo de fermentação natural é algo que faço diariamente na minha própria cozinha. Mas como dar os primeiros passos nessa jornada? Tudo começa criando seu fermento natural do zero.
O Fermento Natural é a Alma do Pão

Embora envolto em mitos e mistérios, o fermento natural é basicamente uma mistura viva de farinha e água. Ao combinar esses dois elementos e deixá-los descansar em temperatura ambiente por alguns dias, a natureza entra em ação. O que antes era uma massa inerte começa a ganhar vida: surgem bolhas, e a mistura cresce.
Esse processo fermentativo natural pode ser controlado e utilizado para criar pães tão saborosos e saudáveis que se torna difícil voltar aos industrializados.
Criei meu primeiro fermento há anos, com base em uma receita simples. Desde então, continuo cuidando do mesmo fermento. Hoje, ele é quase um membro da família: exige atenção, comida (farinha) e um ambiente adequado. No início, foi desafiador. Havia dias em que não mostrava sinal de vida e outros em que parecia fora de controle. Eu ainda não compreendia a importância das alimentações regulares e como a temperatura influencia diretamente sua atividade.
Aprendi que o segredo para um fermento equilibrado é observar seus comportamentos, dar espaço para ele crescer e adaptar a quantidade de farinha e água para maximizar sua atividade. E, claro, um fermento forte significa um pão extraordinário.
Afinal, o Que é um Fermento Natural?
De forma simples, trata-se de uma cultura viva composta por farinha, água, leveduras selvagens e bactérias benéficas. Com alimentações regulares, essa mistura se torna estável e é usada para fermentar naturalmente massas de pão. Para quem faz pão em casa, especialmente em cozinhas onde a temperatura varia, dominar o cuidado com o fermento é essencial para produzir pães com sabor, textura e conservação ideais.
Dicas Importantes Antes de Começar
- Qualidade da água: Águas com cloro ou cloramina podem dificultar a fermentação. Uma solução simples é deixar a água de torneira descansar em um recipiente aberto durante a noite para que o cloro evapore. Caso sua cidade utilize cloramina, use água filtrada ou mineral.
- Recipiente adequado: Use um pote de vidro com boa capacidade e com tampa frouxa ou pano para cobrir. Deixe espaço para a mistura crescer e coloque o pote dentro de uma tigela para evitar sujeira em caso de transbordamento.
- Temperatura é tudo: A fermentação é muito sensível ao clima. Um ambiente entre 26ºC e 29ºC acelera a atividade das leveduras e bactérias. Se não tiver um fermentador, use o forno desligado com a luz acesa ou um micro-ondas com um copo de água quente.
- Oscilações no início são normais: Nos primeiros dias, pode haver um pico de atividade que depois diminui. Isso é natural e faz parte do processo de estabilização da cultura.
Ferramentas Que Ajudam no Processo

- Potes de vidro: Permitem acompanhar visualmente a fermentação. Marque com um elástico o nível da mistura para observar seu crescimento.
- Espátula de silicone: Ótima para misturar e fácil de lavar.
- Balança digital: Essencial para medir com precisão.
- Termômetro: Ajuda a monitorar a temperatura ideal para fermentação.
- Farinha de centeio integral: Rica em nutrientes, acelera o desenvolvimento do fermento.
- Farinha branca não branqueada: Boa para sustentar a estrutura e prender os gases da fermentação.
Como Alimentar Seu Fermento
Nos primeiros dias, alimente apenas uma vez ao dia. Quando ele começar a mostrar mais atividade, aumente para duas vezes. Em poucos minutos por dia, você manterá sua cultura ativa e pronta para uso.
Caso esqueça uma alimentação, não se preocupe: na maioria das vezes o fermento se recupera sem problemas.
Guia Completo de Alimentação do Fermento Natural: Cronograma Inicial
Compreendendo o ciclo do fermento natural
Nos primeiros dias de vida do seu fermento natural, a alimentação ocorrerá apenas uma vez por dia. Conforme a atividade microbiana se intensifica, o ideal é passar para duas alimentações diárias. Como essas alimentações se tornam frequentes, minha intenção aqui é mostrar como montar uma rotina eficiente e simples, de forma que você consiga alimentar seu fermento em 5 a 10 minutos por dia, sem comprometer sua rotina.
A boa notícia é que o fermento natural é muito resistente. Mesmo que você atrase ou esqueça uma alimentação, ele normalmente se recupera bem. O cronograma que apresento a seguir permite desenvolver uma cultura forte e estável entre 6 e 9 dias. Uma vez estabilizado, o fermento pode durar indefinidamente, desde que seja alimentado com regularidade. Caso você não faça pão com frequência, é possível conservar seu fermento na geladeira e alimentá-lo semanalmente.
Esse ciclo de crescimento e queda que ocorre diariamente é uma parte essencial do processo. Assim que é alimentado, as leveduras e bactérias presentes começam a consumir os açúcares da farinha, liberando gases que fazem o fermento crescer. Quando os açúcares são consumidos, a atividade diminui e a mistura perde volume.
Como Fazer o Refresco Diário do Fermento Natural
A cada alimentação, siga os seguintes passos:
- Misture levemente o fermento com uma espátula.
- Pegue um pote limpo, coloque-o na balança e adicione uma quantidade especificada do fermento anterior.
- Acrescente farinha fresca e água, misture bem até incorporar tudo.
- Cubra o pote com tampa solta ou pano e deixe descansar até a próxima alimentação.
Simples assim. Quando o processo estiver dominado, ele levará apenas alguns minutos por dia.
Receita Passo a Passo: Como Criar Seu Fermento Natural do Zero
Dia 1

- Adicione 100g de farinha de centeio integral e 125g de água morna (26ºC) a um pote limpo.
- Misture até formar uma pasta espessa e uniforme.
- Cubra levemente e coloque em local aquecido (entre 26ºC e 29ºC) por 24 horas.
Dica: pese seu pote vazio e anote o valor para facilitar os refrescos futuros.


Dia 2
- Coloque 75g da mistura do Dia 1 em um novo pote.
- Adicione 50g de farinha de centeio, 50g de farinha branca e 115g de água (aquecida se o ambiente estiver frio).
- Misture bem, cubra e deixe descansar em local aquecido por 24 horas.
Descarte o restante da mistura anterior e limpe o pote para uso futuro.

Dia 3
- Repita o processo anterior: 75g da mistura do dia anterior, 50g de farinha de centeio, 50g de farinha branca e 115g de água.
- Misture, cubra e deixe repousar por mais 24 horas.
Se surgir um líquido transparente sobre a mistura (conhecido como “hooch”), misture de volta e continue normalmente.

Dia 4
- A partir de agora, faça duas alimentações por dia.
- Pela manhã: 75g da mistura, 50g de centeio, 50g de farinha branca, 115g de água.
- Misture, cubra e deixe descansar por 12 horas.
- À noite: descarte até 75g e repita a mesma proporção.
Utilize o mesmo pote a partir daqui, lavando-o somente se desejar.

Dias 5 e 6
- Continue alimentando duas vezes por dia com a mesma proporção do Dia 4.
- A atividade fermentativa deverá aumentar visivelmente.
- Descarte até o peso anotado do pote + fermento desejado.

Dia 7 em diante
- Reduza o fermento a 20g pela manhã.
- Adicione 30g de centeio, 70g de farinha branca e 100g de água. Misture bem e deixe repousar por 12 horas.
- À noite, repita o mesmo processo.
Ao final do sétimo dia, você observará um padrão de crescimento e queda estável. Esse comportamento é sinal de que o fermento está pronto para ser utilizado na panificação.

Se ele ainda não demonstrar estabilidade, continue com os refrescos diários até que a atividade se normalize. Temperaturas baixas ou farinhas diferentes podem influenciar o ritmo da fermentação, então tenha paciência e mantenha o cronograma.
Dicas Finais Para Otimizar Seu Fermento Natural
Depois que você entender bem o comportamento do seu fermento, é possível ajustar as proporções conforme a temperatura do ambiente. Em dias quentes, por exemplo, é comum reduzir a quantidade de fermento maduro para evitar acidez excessiva.
Com o tempo, o fermento vai desenvolvendo mais aroma e sabor. Quando estiver bem ativo, você saberá que está pronto para uso quando ele estiver aerado, subir bem no pote, apresentar aroma levemente ácido e ter uma textura mais fluida do que após o refresco.
Este processo é a base para a produção de pães de fermentação natural incríveis. Com dedicação e observação, você terá um fermento confiável que poderá usar por muitos anos.
Ajustes e Manutenção
Com o tempo, você pode ajustar a proporção de ingredientes de acordo com o clima e sua rotina. No verão, por exemplo, é comum reduzir a quantidade de fermento maduro usado para controlar a acidez.
Se você planeja assar com menor frequência, pode armazenar o fermento na geladeira e alimentá-lo uma vez por semana.

Dúvidas Frequentes
- Qual é a melhor farinha para alimentar o fermento? Não existe uma resposta definitiva. Pode-se usar centeio, trigo integral ou branca. Cada farinha afeta a fermentação de forma diferente.
- Meu fermento não está crescendo, o que faço? Continue alimentando conforme o cronograma. Muitas vezes é só questão de tempo.
- Posso guardar os descartes? Sim. Armazene na geladeira e use em panquecas, waffles, bolos e outras receitas.
- Preciso comprar um fermento pronto? Não. Fazer o seu fermento é simples e te ensina a reconhecer os sinais de fermentação.
Considerações Finais
Hoje, alimentar meu fermento é um momento quase ritualístico. Em poucos minutos, forneço o que ele precisa e, em troca, ele me retribui com pães saborosos, nutritivos e com identidade. Gosto de pensar que sou o padeiro, o controlador da fermentação, mas a verdade é que sou apenas um facilitador nesse processo natural. Tudo que preciso fazer é respeitar o tempo da natureza. Boa fornada!
Se você precisa de uma visão mais aprofundada de cada etapa do processo de fabricação de pão, leia nosso
Guia para iniciantes em pão de fermento natural.
Com conteúdo de The Perfect Loaf

Pedro é gastrônomo e especialista em panificação artesanal com mais de 15 anos de experiência. Fundador de uma padaria de fermentação natural no Rio de Janeiro, ministra cursos e consultorias desde 2015. Neste blog, compartilha suas vivências e aprendizados no mundo da fermentação natural.
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